Se você fizer uma busca rápida aí no seu acervo de memórias afetivas certamente vai encontrar algum registro em que experimentou algo direto da natureza, muito possivelmente frutas e vegetais, ou teve contato com uma refeição caseira, daquelas em que boa parte dos ingredientes vieram do quintal. Já viveu algo assim?
Agora, avalie a diversidade de alimentos que você consome diariamente. Fazem parte do seu cardápio arroz, feijão e trigo; se tratando de frutas, maçã, laranja e banana, até chegar aos vegetais como alface, tomate e cenoura. Sem falar dos embutidos e derivados do milho e da soja - cervejas, massas, cereais... bem, para a ciência isso tem nome e se chama Monotonia Alimentar.
Se basicamente grande parte da população segue essa mesma dieta, isso significa que temos uma demanda extensiva de cultivo, muitas vezes, em áreas de matas nativas que poderiam nos apresentar milhares de espécies comestíveis diferentes. Pausa. Chegamos ao ponto principal da nossa conversa: perdemos a nossa tradição alimentar, por conta de uma série de fatores como industrialização e regimes de trabalho, e estamos consumindo cada vez mais alimentos ultraprocessados – porque comida também é comércio. Quanto mais ela é produzida, maior a lucratividade.
“Estamos no Brasil, o país mais biodiverso do planeta! A ciência estima que temos mais de 20 mil espécies comestíveis, mas só conhecemos aquelas de cultivo agressivo para o solo, pelo intenso uso de agrotóxicos, que consomem grandes volumes de água e prejudicam a qualidade do ar - monoculturas não ‘respiram’ como as matas. Para piorar, ainda temos as queimadas que abrem clareiras para os cultivos”, explicou Beatriz Carvalho, geógrafa e fundadora da comunidade Mato no Prato.
Sim, os alimentos orgânicos são mais caros e o mercado já entendeu que a “alimentação saudável” é um negócio rentável. Mas a proposta aqui é aquela comida de verdade que como a Beatriz mesmo defende, “dá em árvore e estimula a atividade de pequenos produtores”, que conduzem cultivos a partir de saberes imateriais. Pela sazonalidade e logística, em razão de práticas mais sustentáveis de agricultura, será cada vez mais uma tendência o consumo de algo que é produzido localmente.
“A nossa alimentação é muito influenciada pela indústria e baseada em ingredientes artificiais e sintéticos. Isso confunde o paladar e vicia as pessoas em sabores que não são reais. Compramos a ideia da praticidade, o que faz parecer que bater um suco natural em casa é trabalhoso. E infelizmente ainda corrompe a transmissão de hábitos tradicionais entre gerações, provocando perda de conhecimento e cultura”, disse.
*Novos hábitos.* Se avaliar, há um movimento ganhando força, em que as pessoas estão mais interessadas em alimentação saudável. Prova disso é um fenômeno recente, que surgiu na pandemia, das pessoas fazerem pães de fermentação natural em casa. O processo, totalmente artesanal, é diferente das opções que levam até óleo e gordura.
“Acredito que as pessoas estejam ganhando consciência em função da democratização da informação com a internet e as redes sociais, especialmente. Também os transtornos de saúde e peso estão servindo de alerta sobre os nossos maus hábitos”, afirmou.
Para Beatriz, terceirizamos as nossas escolhas alimentares, confiando às marcas e mercados essa tarefa, sem nos darmos conta dos prejuízos ao bem-estar da família e da sociedade. “Parte das pessoas já se deu conta disso e tem disseminado valores antigos como cozinhar em casa, fazer feira e até cultivar parte do próprio alimento. Rezo para que isso não seja só uma modinha”, brinca a geógrafa.
Sobre como a alimentação pode preservar a natureza, ela revela que é importante quebrar alguns paradigmas de consumo e se abrir para novos recursos alimentares. Isso é possível a partir da mudança de hábitos, ao consumir, por exemplo, vegetais da época ou dando preferência aos alimentos nativos.
Mãe da Elisa e companheira do Arthur, Beatriz conta que na casa dela os produtos que não são reconhecidos como alimentos ficam de fora – ultraprocessados. No mais, a alimentação é livre, privilegiando os vegetais e a comida simples porque, diga-se de passagem, a empreendedora assume que cozinhar não é uma especialidade dela.
Na fruteira, há sempre “coisas esquisitas” aos olhos das outras pessoas. Por curiosidade, à época da entrevista tinha jambo e camapú, além de laranja, banana e maçã. “A ‘técnica’ que usamos aqui em casa pode inspirar. A alimentação saudável e sustentável não é restritiva. Você não precisa deixar de comer nada, apenas abrir os olhos para a infinidade de comida extraordinária que a biodiversidade brasileira tem para oferecer”.
*Curiosidade*
• Em 2019, a Mato no Prato foi eleita um dos 15 principais negócios de impacto do Brasil pela Red Bull.
• Em 2020, foi reconhecida pelo Facebook como uma das principais comunidades de alimentação biodiversa da América Latina, a partir do propósito de conscientizar sobre a importância da diversificação de vegetais nos cardápios.
(Fonte: O Vale)